Por Marcela Chanan
"O brincar facilita o crescimento e, portanto, a saúde. O brincar conduz aos relacionamentos grupais [...] A serviço da comunicação consigo mesmo e com os outros." Winnicott
Esse é um relato de experiência sobre o trabalho com bebês de 10 a 18 meses em um espaço de educação não formal.
Os bebês eram convidados, cotidianamente, a explorar materiais, espaços, vivências, relações e interações. A oportunidade perfeita para minha pesquisa pessoal de registrar a potência infantil desde tão pequeninos.
Como o dia iniciava e terminava na sala referência do grupo, o planejamento era de contexto: focava a intencionalidade na organização do espaço e dos materiais, a partir de observações diárias de como eles usavam e se relacionavam com o espaço, os objetos e entre eles.
A organização era mantida por uma semana ou um pouco mais, dependia da resposta dos bebês em relação as explorações e as interações. Mesmo assim, não eram grandes mudanças: os colchões para dormir e descansar ficavam sempre no mesmo lugar, as prateleiras com materiais diversificados e bolsas também, inclusive o local de beber água. A reorganização era mais dos móveis e dos materiais para manter o interesse, a curiosidade, a continuidade e a linearidade das investigações.
O brincar heurístico do qual me inspiro é um brincar onde o bebê permanece ativo, espontâneo, autônomo, concentrado, no seu ritmo, com o corpo todo. Ele se comunica, se expressa, escolhe, explora os objetos e suas propriedades, se surpreende e desenvolve habilidades. É possível observar as intenções, as relações e os "projetos" que estabelece enquanto manipula os objetos. O cesto dos tesouros é indicado para bebês menores.
É comum observar ações como colocar e tirar, encher e esvaziar, abrir e fechar, agrupar e separar, empilhar e derrubar, tampar e destampar, encaixar, jogar, apertar, esticar, comparar, girar, empurrar, dentre outras. Descobrir se determinados objetos cabem ou não dentro de outros, que uns são grandes e outros pequenos, alguns encaixam bem outros nem tanto, alguns são agradáveis e outros não, alguns rodam outros são quietos, uns se sustentam outros caem, verificam o peso, o equilíbrio... Enquanto brinca parece fazer perguntas, testar hipóteses e buscar respostas!
A abordagem Pikler amplia e aprofunda o olhar sobre essas ações e descobertas que estão presentes no brincar livre, em uma pesquisa sobre como o brincar se desenvolve na primeiríssima infância: o primeiro brinquedo do bebê, a descoberta das mãos e as possibilidades de manipulação e exploração dos objetos, os repertórios do brincar como as coleções e as diferentes formas de construções. E outros assuntos que envolvem esse brincar.
Na frente da sala referência tinha um corredor que aproveitava para montar algumas experiências diferentes das propostas dentro da sala. Os bebês escolhiam esse espaço de acordo com o interesse, na maior parte das vezes em pequenos grupos depois do almoço.
O papel do adulto nos momentos de brincar livre é observar, registrar, falar apenas o necessário, deixar o bebê resolver suas pequenas disputas e frustrações, e intervir o mínimo possível. A postura do adulto afeta o brincar, pode lhe causar liberdade e segurança ou passividade e dependência. Dentro dessa concepção mais observadora e silenciosa, me comunicava por meio de expressões sem elogiar, fazer perguntas, sugerir ou direcionar. Se fosse convidada, interagia sem interferir no brincar.
Um outro lugar para brincar era a sala central, um espaço dividido em dois ambientes com crianças de 18 a 24 meses e os demais educadores. Novos desafios e provocações se colocavam nessas transições: escadas, mudança de nível, portas de vidro, acesso ao quintal com plantas, areia e um ateliê; além de um corredor íngreme com uma pia e um mural de azulejo. Os bebês exploravam esses espaços, interagiam com outras crianças e adultos, almoçavam e depois subiam novamente para sala referência finalizando o período da manhã.
Essa sala central era planejada pelos educadores que atuavam com as crianças "maiores", porém todas as idades eram contempladas nessa organização. Como o espaço externo era utilizado por todos (bebês e crianças de 10 a 30 meses), havia um rodízio de educador responsável por esse planejamento. Tanto os objetos e os brinquedos da areia, quanto as vivências com múltiplas linguagens consideravam esse grupo multietário e suas necessidades, por vezes um desafio, mas foi possível realizar devido algumas adaptações e muita observação.
Segundo a BNCC o brincar deve acontecer no cotidiano, de diferentes formas, em diferentes espaços, com diferentes materiais, e inclusive, com o próprio corpo. Em parceria com crianças e adultos, individualmente e coletivamente.
Estar na sala de referência tinha um privilégio, além de ser um ambiente mais calmo, conseguia sentar, observar, anotar e fotografar as aprendizagens do bebês sem outras preocupações, pois todos estavam no mesmo ambiente. Na sala central e na área externa as crianças permaneciam em espaços diferentes ao mesmo tempo e me dividia para atender as mini transições e os cuidados pessoais.
É importante considerar que o brincar ocupa a maior parte do tempo na vida de um bebê e ele precisa estar com suas necessidades satisfeitas para pode brincar com prazer e bem-estar. Desde muito pequeno já pode experimentar "doses" de autonomia ao escolher um objeto e decidir por quanto tempo vai explorar ou abandonar a brincadeira e buscar outra coisa para se dedicar.
Sobre o movimento livre, assunto do qual já escrevi no blog, posso dizer que os bebês tinham liberdade para se movimentar, em nenhum momento eram estimulados a ficar em uma postura que não conseguiam por conta própria e o espaço garantia diversas experiências com o movimento. Enquanto a sala referência, que era totalmente plana, possuía alguns móveis piklerianos, os outros espaços ofereciam a própria estrutura para complementar e ampliar os desafios necessários para o desenvolvimento motor dos pequenos.
Os campos de experiência contribuíram com a intencionalidade da prática pedagógica, principalmente, com relação ao o que oferecer aos bebês e crianças pequenas.
É pelo brincar que os bebês passam por experiências e vivem explorações de todo tipo, que se desenvolvem, aprendem e interagem! Bebê feliz e saudável é bebê que brinca com liberdade!
*Fotos por Marcela Chanan @culturainfantil
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Saiba mais...
Artigo publicado na revista Crianças: uma abordagem transdisciplinar O BRINCAR DO BEBÊ: EXPLORAÇÃO E DESCOBERTA
Live da Revista Crianças sobre O brincar das crianças pelo olhar da Pedagogia e da Psicanálise.
Confira no blog Infância e Natureza, Grafismo infantil, Atividades da vida cotidiana, Crianças e livros (todas incluem os bebês) e Bebês e ateliê de papel.
Artigo publicada no programa Criança e Natureza: Bebês e natureza, Tintas Naturais.